Doci Papiaçám

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Cuza nôs sabe di?


Doci Papiaçám di Macau. A ressonância é a da erosão afecta aos dias, do vento que malha e carcome as arribas, que espanta as últimas folhas dos galhos cimeiros das árvores. O síndrome é o do esquecimento, mas também da perseverança. Porque o papiá di Macau é uma lingua que defunta nas páginas dos livros, um rasgo de um saber em transumância, uma parte do legado que a mundividência secular portuguesa - cada vez mais apagada - semeou pelo mundo.Mas o papiaçam é também, provavelmente, o mais ousado rasgo da herança macaense, do registo de um povo reinventado. Da mesma forma que no malaio influi o português, conservando consideraveis elementos portugueses, também a presença das sonoridades malaias no dialecto macaense é notória. O linguajar de Macau, que regista no seu estado de cristalização literária bastantes palavras dessa origem, apresenta ainda influências visíveis do canarim (a língua de Goa, de quem Macau dependeu politicamente durante séculos) e da sintaxe chinesa. Os diversos factores, combinados com a língua portuguesa, originaram o dialecto macaísta.É, portanto, um registo de fusão. De uma comunidade aberta, dinâmica, tolerante quanto baste para reinventar um arsenal linguístico que, se colorido fosse, faria inveja ao arco-íris.Este blog não se propõe miracular. Não é o seu propósito resgatar o dialecto macaísta da perpetuidade da sentença a que está votado ou arrojar-se a discutir com parecer e ciência o ecletismo de Macau. Não nos sobra nem a objectividade, nem o rigor, nem o engenho para descortinar com que métrica se alcançam os padrões de transumância, metamorfose e divergência afectos à história (erigida ad aeternum) da outrora cidade do nome de Deus, não há outra mais leal.
Não sendo um blog sobre Macau, este é um blog que se constroi a partir de Macau, com as nuances e implicações que um tal factor implica. Macau será porventura um tema recorrente neste espaço. Sem promessas, sem compromisso e sem amarras. Porque a única coisa a que este
Doci Papiaçám se propõe é, a ser como o dialecto, um registo de fusão. Aberto, intimista, preocupado. E por isso sempre em reinvenção constante.